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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A Homossexualidade na Actualidade: no Mundo e em Moçambique

1. Introdução
A sexualidade é uma parte normal e fundamental na vida humana, ela penetra toda a existência individual e social, no entanto, os tipos de comportamento sexual e as atitudes relacionadas com a sexualidade humana, que são considerados normais, variam enormemente de sociedade para sociedade e até dentro da mesma sociedade
O presente trabalho subordina-se ao tema Homossexualidade, surge no âmbito de trabalhos de pesquisa da cadeira de Psicologia das Inadaptações Sociais e é elaborado com o objectivo de analisar fenómenos psico-sociais supostamente inadaptados à determinados contextos sociais. Como uma orientação sexual, uma posição libidinal e identitária que o sujeito alcança dentro da particularidade da sua história de vida, a homossexualidade é um padrão duradouro de experiências sexuais, afectivas, emocionais e amorosas entre pessoas do mesmo sexo; mas também refere-se à indivíduos com senso de identidade pessoal e social baseado em atracções homossexuais, que manifestam comportamentos e aderem à comunidades de pessoas que compartilham de tal orientação sexual. Para a elaboração deste singelo trabalho, recorreu-se à material bibliográfico; artigos científicos inseridos em revistas electrónicas; entrevistas dirigidas à indivíduos homossexuais, profissionais de psicologia e uma visita efectuada à sede da Associação Moçambicana para a Defesa das Minorias Sexuais - LAMBDA. Contudo, o trabalho está estruturado, para além da introdução, nos seguintes termos: contextualização histórica do termo homossexualidade; conceito de homossexualidade; indicadores estatistícos da homossexualidade no mundo e em Moçambique; tipos de homossexualidade; implicações psico-sociais da homossexualidade; homossexualidade e inadaptação social e a conclusão que culminará com as considerações finais sobre o trabalho.

2. Contextualização Histórica do termo Homossexualidade
O termo homossexualismo foi proposto em 1869 pelo médico húngaro Benkert, a fim de transferir do domínio jurídico para o domínio médico esta manifestação da sexualidade. Antes do século XVIII, a palavra homossexual era utilizada nas certidões de nascimento de gêmeos, pois quando eram do mesmo sexo eram registados como homossexuais. Deste modo,o homossexualismo era assumido como doença psicológica, como distúrbio mental e constava no Manual de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais (DSM) da Associação Americana de Psiquiatria, porém foi excluído em 1973, após intensos debates. Devido ao radical “ismo” presente na palavra homossexualismo que remete à doença, optou-se pelo uso da palavra homossexualidade (Ceccarelli, 2008). Sendo uma prática muito antiga, como refere Ceccarelli (2000), as tribos das ilhas de Nova Guiné, Fiji e Salomão, no oceano Pacífico, cerca de 10mil anos atrás já praticavam algumas formas de homossexualidade ritual. Os melanésios, segundo este autor, acreditavam que o conhecimento sagrado só poderia ser transmitido por meio do coito entre duplas do mesmo sexo. Este autor refere também que na Grécia e Roma da antiguidade era absolutamente normal um homem mais velho ter relações sexuais com um mais jovem, o que demonstra que os comportamentos homossexuais ja existiam e já eram praticados, tanto em África como na Europa, por alguns imperadores, embora fosse proibido por lei desde o Séc.III a.C.. De acordo com o Manual do Multiplicador (1996), não foram os brancos que inventaram esta forma de expressar a sexualidade pois ela é natural, os animais irracionais também praticam. Segundo a Zoologia, em todo o reino animal, existem relações sexuais de macho com macho e de fêmea com fêmea. Quando os europeus chagaram nos outros continentes (África e América), segundo este Manual, encontraram diversas tribos indígenas onde os Gays eram muito numerosos e respeitados. Por exemplo, os índios chamavam aos gays de tibira e às lésbicas de sacoaimbeguira; em Angola, os homossexuais eram chamados de quimbanda e na língua yorubá de adé. Este Manual salienta ainda que embora se usem, indistintamente, os termos homossexualidade e homossexualismo, essas palavras expressam significados diferentes. Enquanto a palavra homossexualidade se refere a uma forma de sexualidade, o homossexualismo era sua forma antiga de classificação como doença.

3. Conceito de Homossexualidade
Segundo Coelho (2008), a homossexualidade é uma das três principais categorias de orientação sexual, juntamente com a bissexualidade e a heterossexualidade, sendo também encontrada em muitas espécies animais. Para este autor, a homossexualidade pode ser definida como sendo a atracção emocional e sexual entre duas pessoas do mesmo sexo. De acordo com este autor, quando se trata de homens usa-se o termo homossexual e, quando se trata de mulheres, usa-se o termo lésbica, proveniente da sacerdotisa Safo, que habitava a ilha grega de Lesbos.
Segundo alguns indivíduos entrevistados na Associação Moçambicana para a Defesa das Minorias Sexuais - LAMBDA, dos quais alguns homossexuais e outros, profissionais de psicologia, a homossexualidade não é uma opção sexual, mas sim uma orientação sexual. Associados à este fenómeno, nas palavras de alguns profissionais de psicologia entrevistados na LAMBDA, há uma série de factores psicológicos e fisiológicos que superam a cognição humana e orientam o indivíduo no sentido de se sentir atraído por indivíduos do mesmo sexo. Segundo estes profissionais, as pessoas descobrem que são homossexuais quando atingem a puberdade. Nessa fase, devido às normas sociais que são hetero-normativas, a pessoa entra em "Dissonância cognitiva", ou seja, entra em conflito consigo mesma na tentativa de ajustar entre aquilo que ela quer (que ela é) e aquilo que é considerado normal e ideal pela sociedade. Ainda na óptica dos psicólogos entrevistados, este dilema que os sujeitos homossexuais enfrentam em alguma fase da sua vida, associado ao facto de as normas sociais não os reconhecer como sendo indivíduos normais, o que culmina com a estigmatização e discriminação destes, faz com que os homossexuais se retraiam e não se assumam como tal, em público durante um período significativo de tempo, particularmente em África-Moçambique.
4. Homossexualidade no Mundo e em Moçambique
Segundo o Manual Merck (1899), a homossexualidade, outrora considerada como "anormal" pela medicina, não é mais considerada doença e é amplamente reconhecida como uma orientação sexual que está presente desde a infância. Segundo este Manual, a prevalência da homossexualidade é desconhecida, mas estima-se que cerca de 6 a 10% dos adultos em todo mundo estejam mantendo relações exclusivamente homossexuais durante a sua vida. Uma porcentagem muito elevada, conforme este Manual, teve contactos com indivíduos do mesmo sexo na adolescência mas, na vida adulta, apresentam um comportamento heterossexual.
A maior pesquisa sobre sexualidade humana realizada até agora foi dirigida por Kinsey, que descobriu que mais da metade dos homens pesquisados já tiveram ao menos um orgasmo com indivíduos do mesmo sexo. Esta pesquisa foi realizada nos Estados Unidos em 1948 e, de acordo com o relatório da pesquisa - Relatório de Kinsey, 4% dos adultos homens eram exclusivamente homossexuais durante toda a sua vida e 13% foram-no pelo menos durante três anos seguidos, entre as idades de 16 e 55anos. Este relatório mostrou também que em cada três homens, mais de um teve experiências de interacção sexual, seguido de orgasmo, com parceiros do mesmo sexo, durante os anos pós-púberes. A proporção para mulheres, no mesmo relatório, foi aproximadamente a metade da atribuída aos homens (Manual do Multiplicador, 1996). Segundo este Manual, a maioria das sociedades humanas do passado e do presente respeitam os homossexuais, ainda que algumas das sociedades modernas não o façam. De acordo com pesquisas antropológicas, 64% das sociedades em todo mundo são favoráveis ao homoerotismo e 36% são hostis à ele. Todavia, um Relatório de um estudo efectuado pela Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH) nas cidades de Maputo, Beira, Nampula e Quelimane, refere que das setecentas (700) pessoas de ambos os sexos inquiridas, 96% delas cada um conhece pelo menos um homossexual, 80 por cento tem um amigo homossexual e 72 por cento considera esta tendência uma opção pessoal. Deste modo, este relatório "admite a hipótese de 48% dos habitantes dessas cidades serem homossexuais". De acordo com a LAMBDA - Associação Moçambicana para a Defesa das Minorias Sexuais, em Moçambique não se conhece com exactidão o número de indivíduos homossexuais existentes. A LAMBDA referiu que há muitos indivíduos homossexuais que, no entanto, pratica a homossexualidade de forma clandestina, ou seja, que não se declaram por medo de serem discriminados, devido às normas sócio-culturais vigentes no país. Contudo, a LAMBDA salientava que possui duzentos (200) membros activos e oficialmente inscritos.
5. Tipos de Homossexualidade
De acordo com Demétrio (2004), existem vários tipos de homossexualidade, dos quais podem se destacar:
Gays - homens e Lésbicas - mulheres: este tipo de homossexualidade tem uma atracção amorosa e emocional por pessoas do mesmo sexo.
Bissexuais: estes podem relacionar-se tanto com pessoas do sexo masculino como do sexo feminino.
Transgender: são o grupo de pessoas que não se enquadram na forma como as definições de homem e mulher são concebidas pela sociedade e incluem transsexuais, hermafroditas, travestis.

6. Implicações Psico-Sociais da Homossexualidade

Como se tem depreendido ao longo deste trabalho, o pano de fundo da homossexualidade assenta na sua origem, por um lado e por outro lado, na sua forma de assumir-se perante a sociedade. Conhecidas as possíveis origens e analisando-se como a sociedade aceita ou rejeita os indivíduos homossexuais implicados nessa fenomenologia psicossociológica, pode-se constatar naturalmente, segundo Fleury & Torres (2007), algumas implicações psico-sociais como: menosprezo do sujeito homossexual pela família; rejeição e descriminação familiar e social; marginalização profissional do sujeito homossexual; exclusão social; estigmatização; frustração; pressão na mudança de comportamento; depressão psicológica do sujeito; introversão e isolamento do sujeito; e comportamento suicida tanto de familiares como do sujeito em causa.
7. Homossexualidade e Inadaptação Social
São várias as ciências que estudam a sexualidade humana, das quais a Antropologia, a Sexologia, a Psicologia e a Genética. Todas essas ciências, segundo o Manual do Multiplicador (1996), garantem que no ser humano a sexualidade não é regida pelo instinto, como nos animais irracionais, pois ela não é só genética, hormonal nem genital, mas também o social, o psicológico e o erótico são criações humanas que variam de sociedade para sociedade e, ao longo do tempo, dentro da mesma sociedade, o que significa dizer que conforme as necessidades de uma determinada sociedade (cultura), os valores mudam. Freud citado por Ceccarelli (2008) refere que alegando-se uma natureza comum aos homens e os animais, sempre que a sexualidade humana desvia da finalidade primária, natural e universal que a referência animal nos apresenta - união de dois órgãos sexuais diferentes para a procriação (preservação da espécie) - estamos diante de uma perversão, ou seja, uma prática sexual contra a natureza.
Sendo a homossexualidade um fenómeno considerado desinquadrado das normas sociais, o indivíduo homossexual passa a ser visto como sendo "anormal" e, consequentemente, inadaptado em determinados meios sociais. Se na verdade a inadaptacao social é resultado da incompatibilidade entre valores individuais aos valores grupais ou socias, ainda que esta (a inadatpação) varie com o tempo e o espaço, pode ser coerente afirmar que os homossexuais são inadaptados à determinados contextos sociais, particularmente no contexto moçambicano, na medida em que o comportamento homossexual, para o nosso contexto, é classificado como sendo “anormal” aos olhos da sociedade, visto que entra em choque com a rede de valores, as normas, a cultura, etc. vigentes no nosso país. No entanto, Freud citado por Ceccarelli (2008), refere que o ser humano possui uma sexualidade e essa sexualidade, devido à singularidade da história de vida de cada individuo terá um destino particular, o que quer dizer que não há uma única maneira que se proponha certa, única e universal para manifestar a sexualidade. Ainda segundo este autor, a homossexualidade é uma expressão da sexualidade, uma posição libidinal igualmente legítima como o é a heterossexualidade, de modo que subordinar a sexualidade apenas à função reprodutora pode ser um critério demasiadamente limitado pois o ser humano, na sua essência, é regido pela dimensão do prazer que, submetido às leis da linguagem, frustra qualquer apreensão directa de sua suposta finalidade original. Contudo, na perspectiva freudiana, não é correcto assumir a homossexualidade como sendo anormal, porém tendo em conta o facto de as normas constituirem uma construção social pode-se afirmar que a adaptação ou inadaptação da homossexualidade dependerá, efectivamente, da sociedade, do tempo e do espaço em questão.

8. Considerações finais
Embora o mundo natural seja o mesmo para qualquer sociedade, cada uma percebe e decompõe para em seguida dar-lhe sentido e significado, dentro das associações sintagmáticas que essa sociedade criou para “ler o mundo”. A forma interpretativa que surge daí é típica do sistema simbólico da sociedade em questão e está sujeito ao universo imaginário dessa mesma sociedade. Nesta óptica, pode-se dizer que não existe um paradigma único e universal para interpretar um fenómeno, seja ele social ou psicológico, na medida em que a normalidade e a anormalidade são construções sociais e relativas.
Vivemos a nossa sexualidade dentro do imaginário da sociedade onde estamos inseridos, desconhecemos que somos guiados por convenções culturais e acreditamos na existência natural de apenas sujeitos heterossexuais. Por isso, aceitar que o outro é homossexual ou bissexual abala a nossa verdade e mostra que a verdade é relativa, isto é, varia com o tempo e espaço, o que desvela a ilusão da existência de uma identidade última e absoluta da sexualidade e revela que nossos referenciais culturais são construções com um tempo de vida e espaço limitados. Os valores sócio-culturais que constroem as referências simbólicas do masculino e do feminino e ditam os parâmetros que definem a sexualidade humana como normal ou anormal, contribuem para que o sujeito homossexual, marcado pelos ideais da sociedade onde está inserido, se sinta desviante e excluído do seu meio social, pois os homossexuais nascem numa sociedade cuja organização simbólica cedo lhes ensina que a sua forma de viver a sexualidade é errada. Contudo, ao longo da elaboraçao deste trabalho, concluí que a homossexualidade sempre existiu e ela é um fenómeno natural, tanto é que também é praticada pelos animais irracionais, por isso, ser homossexual não é pecado, não é crime e não é doença. Entretanto, em todas as sociedades, directa ou indirectamente pratíca-se homossexualidade. Portanto, considerar a homossexualidade como sendo perversão pode ser uma visão reducionista e preconceituosa, pois o homem ao buscar o prazer, a sexualidade escapa à ordem da natureza e age à serviço próprio pervertendo o seu suposto objectivo natural: a procriação. Por isso, ser homossexual é “normal” pois faz parte da natureza e é uma forma legítimade de expressar a sexualidade tal como é a heterossexualidade.

9. Referências Bibliográficas
9.1. Associação Moçambicana para a Defesa das Minorias Sexuais - LAMBDA.
9.2. Ceccarelli, P. R. (2000). Homossexualidade e Preconceito. São Paulo: in SOMOS, 1, ano 1,. (Disponivel em: http://ceccarelli.psc.br/artigos/portugues/html/campuls.htm).
9.3. Ceccarelli, P. R. (2008).  A Invenção da Homossexualidade. Natal: in BAGOAS - estudos gays, gêneros e sexualidades, 2, 71-93. (Disponivel em: http://ceccarelli.psc.br/artigos/portugues/html/invhomo.htm)­.
9.4. Coelho, L. (2008). A Homossexualidade: Trabalho apresentado num encontro da ORDEM DE PASTORES BAPTISTAS, no Tabernáculo Baptista. Porto.
9.5. Demétrio, J. (2004). Homossexualidade. Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

9.6. Fleury, A. R. D. & Torres, A. R. R. (2007).  Análise psicossocial do preconceito contra homossexuais: Estudos de Psicologia. Campinas, 24(4),  475-486.

9.7. Liga Moçambicana dos Direitos Humanos-LDH (2006). Homossexualidade em Mocambique. Maputo: LUSA

9.8. Manual do Multiplicador (1996). Homossexual. Brasília: Ministério da Saúde. Versão electrónica.

9.9. Manual Merck (1899). Información Médica para el Hogar. Barcelona: Oceano.


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