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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A Homossexualidade na Actualidade: no Mundo e em Moçambique

1. Introdução
A sexualidade é uma parte normal e fundamental na vida humana, ela penetra toda a existência individual e social, no entanto, os tipos de comportamento sexual e as atitudes relacionadas com a sexualidade humana, que são considerados normais, variam enormemente de sociedade para sociedade e até dentro da mesma sociedade
O presente trabalho subordina-se ao tema Homossexualidade, surge no âmbito de trabalhos de pesquisa da cadeira de Psicologia das Inadaptações Sociais e é elaborado com o objectivo de analisar fenómenos psico-sociais supostamente inadaptados à determinados contextos sociais. Como uma orientação sexual, uma posição libidinal e identitária que o sujeito alcança dentro da particularidade da sua história de vida, a homossexualidade é um padrão duradouro de experiências sexuais, afectivas, emocionais e amorosas entre pessoas do mesmo sexo; mas também refere-se à indivíduos com senso de identidade pessoal e social baseado em atracções homossexuais, que manifestam comportamentos e aderem à comunidades de pessoas que compartilham de tal orientação sexual. Para a elaboração deste singelo trabalho, recorreu-se à material bibliográfico; artigos científicos inseridos em revistas electrónicas; entrevistas dirigidas à indivíduos homossexuais, profissionais de psicologia e uma visita efectuada à sede da Associação Moçambicana para a Defesa das Minorias Sexuais - LAMBDA. Contudo, o trabalho está estruturado, para além da introdução, nos seguintes termos: contextualização histórica do termo homossexualidade; conceito de homossexualidade; indicadores estatistícos da homossexualidade no mundo e em Moçambique; tipos de homossexualidade; implicações psico-sociais da homossexualidade; homossexualidade e inadaptação social e a conclusão que culminará com as considerações finais sobre o trabalho.

2. Contextualização Histórica do termo Homossexualidade
O termo homossexualismo foi proposto em 1869 pelo médico húngaro Benkert, a fim de transferir do domínio jurídico para o domínio médico esta manifestação da sexualidade. Antes do século XVIII, a palavra homossexual era utilizada nas certidões de nascimento de gêmeos, pois quando eram do mesmo sexo eram registados como homossexuais. Deste modo,o homossexualismo era assumido como doença psicológica, como distúrbio mental e constava no Manual de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais (DSM) da Associação Americana de Psiquiatria, porém foi excluído em 1973, após intensos debates. Devido ao radical “ismo” presente na palavra homossexualismo que remete à doença, optou-se pelo uso da palavra homossexualidade (Ceccarelli, 2008). Sendo uma prática muito antiga, como refere Ceccarelli (2000), as tribos das ilhas de Nova Guiné, Fiji e Salomão, no oceano Pacífico, cerca de 10mil anos atrás já praticavam algumas formas de homossexualidade ritual. Os melanésios, segundo este autor, acreditavam que o conhecimento sagrado só poderia ser transmitido por meio do coito entre duplas do mesmo sexo. Este autor refere também que na Grécia e Roma da antiguidade era absolutamente normal um homem mais velho ter relações sexuais com um mais jovem, o que demonstra que os comportamentos homossexuais ja existiam e já eram praticados, tanto em África como na Europa, por alguns imperadores, embora fosse proibido por lei desde o Séc.III a.C.. De acordo com o Manual do Multiplicador (1996), não foram os brancos que inventaram esta forma de expressar a sexualidade pois ela é natural, os animais irracionais também praticam. Segundo a Zoologia, em todo o reino animal, existem relações sexuais de macho com macho e de fêmea com fêmea. Quando os europeus chagaram nos outros continentes (África e América), segundo este Manual, encontraram diversas tribos indígenas onde os Gays eram muito numerosos e respeitados. Por exemplo, os índios chamavam aos gays de tibira e às lésbicas de sacoaimbeguira; em Angola, os homossexuais eram chamados de quimbanda e na língua yorubá de adé. Este Manual salienta ainda que embora se usem, indistintamente, os termos homossexualidade e homossexualismo, essas palavras expressam significados diferentes. Enquanto a palavra homossexualidade se refere a uma forma de sexualidade, o homossexualismo era sua forma antiga de classificação como doença.

3. Conceito de Homossexualidade
Segundo Coelho (2008), a homossexualidade é uma das três principais categorias de orientação sexual, juntamente com a bissexualidade e a heterossexualidade, sendo também encontrada em muitas espécies animais. Para este autor, a homossexualidade pode ser definida como sendo a atracção emocional e sexual entre duas pessoas do mesmo sexo. De acordo com este autor, quando se trata de homens usa-se o termo homossexual e, quando se trata de mulheres, usa-se o termo lésbica, proveniente da sacerdotisa Safo, que habitava a ilha grega de Lesbos.
Segundo alguns indivíduos entrevistados na Associação Moçambicana para a Defesa das Minorias Sexuais - LAMBDA, dos quais alguns homossexuais e outros, profissionais de psicologia, a homossexualidade não é uma opção sexual, mas sim uma orientação sexual. Associados à este fenómeno, nas palavras de alguns profissionais de psicologia entrevistados na LAMBDA, há uma série de factores psicológicos e fisiológicos que superam a cognição humana e orientam o indivíduo no sentido de se sentir atraído por indivíduos do mesmo sexo. Segundo estes profissionais, as pessoas descobrem que são homossexuais quando atingem a puberdade. Nessa fase, devido às normas sociais que são hetero-normativas, a pessoa entra em "Dissonância cognitiva", ou seja, entra em conflito consigo mesma na tentativa de ajustar entre aquilo que ela quer (que ela é) e aquilo que é considerado normal e ideal pela sociedade. Ainda na óptica dos psicólogos entrevistados, este dilema que os sujeitos homossexuais enfrentam em alguma fase da sua vida, associado ao facto de as normas sociais não os reconhecer como sendo indivíduos normais, o que culmina com a estigmatização e discriminação destes, faz com que os homossexuais se retraiam e não se assumam como tal, em público durante um período significativo de tempo, particularmente em África-Moçambique.
4. Homossexualidade no Mundo e em Moçambique
Segundo o Manual Merck (1899), a homossexualidade, outrora considerada como "anormal" pela medicina, não é mais considerada doença e é amplamente reconhecida como uma orientação sexual que está presente desde a infância. Segundo este Manual, a prevalência da homossexualidade é desconhecida, mas estima-se que cerca de 6 a 10% dos adultos em todo mundo estejam mantendo relações exclusivamente homossexuais durante a sua vida. Uma porcentagem muito elevada, conforme este Manual, teve contactos com indivíduos do mesmo sexo na adolescência mas, na vida adulta, apresentam um comportamento heterossexual.
A maior pesquisa sobre sexualidade humana realizada até agora foi dirigida por Kinsey, que descobriu que mais da metade dos homens pesquisados já tiveram ao menos um orgasmo com indivíduos do mesmo sexo. Esta pesquisa foi realizada nos Estados Unidos em 1948 e, de acordo com o relatório da pesquisa - Relatório de Kinsey, 4% dos adultos homens eram exclusivamente homossexuais durante toda a sua vida e 13% foram-no pelo menos durante três anos seguidos, entre as idades de 16 e 55anos. Este relatório mostrou também que em cada três homens, mais de um teve experiências de interacção sexual, seguido de orgasmo, com parceiros do mesmo sexo, durante os anos pós-púberes. A proporção para mulheres, no mesmo relatório, foi aproximadamente a metade da atribuída aos homens (Manual do Multiplicador, 1996). Segundo este Manual, a maioria das sociedades humanas do passado e do presente respeitam os homossexuais, ainda que algumas das sociedades modernas não o façam. De acordo com pesquisas antropológicas, 64% das sociedades em todo mundo são favoráveis ao homoerotismo e 36% são hostis à ele. Todavia, um Relatório de um estudo efectuado pela Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH) nas cidades de Maputo, Beira, Nampula e Quelimane, refere que das setecentas (700) pessoas de ambos os sexos inquiridas, 96% delas cada um conhece pelo menos um homossexual, 80 por cento tem um amigo homossexual e 72 por cento considera esta tendência uma opção pessoal. Deste modo, este relatório "admite a hipótese de 48% dos habitantes dessas cidades serem homossexuais". De acordo com a LAMBDA - Associação Moçambicana para a Defesa das Minorias Sexuais, em Moçambique não se conhece com exactidão o número de indivíduos homossexuais existentes. A LAMBDA referiu que há muitos indivíduos homossexuais que, no entanto, pratica a homossexualidade de forma clandestina, ou seja, que não se declaram por medo de serem discriminados, devido às normas sócio-culturais vigentes no país. Contudo, a LAMBDA salientava que possui duzentos (200) membros activos e oficialmente inscritos.
5. Tipos de Homossexualidade
De acordo com Demétrio (2004), existem vários tipos de homossexualidade, dos quais podem se destacar:
Gays - homens e Lésbicas - mulheres: este tipo de homossexualidade tem uma atracção amorosa e emocional por pessoas do mesmo sexo.
Bissexuais: estes podem relacionar-se tanto com pessoas do sexo masculino como do sexo feminino.
Transgender: são o grupo de pessoas que não se enquadram na forma como as definições de homem e mulher são concebidas pela sociedade e incluem transsexuais, hermafroditas, travestis.

6. Implicações Psico-Sociais da Homossexualidade

Como se tem depreendido ao longo deste trabalho, o pano de fundo da homossexualidade assenta na sua origem, por um lado e por outro lado, na sua forma de assumir-se perante a sociedade. Conhecidas as possíveis origens e analisando-se como a sociedade aceita ou rejeita os indivíduos homossexuais implicados nessa fenomenologia psicossociológica, pode-se constatar naturalmente, segundo Fleury & Torres (2007), algumas implicações psico-sociais como: menosprezo do sujeito homossexual pela família; rejeição e descriminação familiar e social; marginalização profissional do sujeito homossexual; exclusão social; estigmatização; frustração; pressão na mudança de comportamento; depressão psicológica do sujeito; introversão e isolamento do sujeito; e comportamento suicida tanto de familiares como do sujeito em causa.
7. Homossexualidade e Inadaptação Social
São várias as ciências que estudam a sexualidade humana, das quais a Antropologia, a Sexologia, a Psicologia e a Genética. Todas essas ciências, segundo o Manual do Multiplicador (1996), garantem que no ser humano a sexualidade não é regida pelo instinto, como nos animais irracionais, pois ela não é só genética, hormonal nem genital, mas também o social, o psicológico e o erótico são criações humanas que variam de sociedade para sociedade e, ao longo do tempo, dentro da mesma sociedade, o que significa dizer que conforme as necessidades de uma determinada sociedade (cultura), os valores mudam. Freud citado por Ceccarelli (2008) refere que alegando-se uma natureza comum aos homens e os animais, sempre que a sexualidade humana desvia da finalidade primária, natural e universal que a referência animal nos apresenta - união de dois órgãos sexuais diferentes para a procriação (preservação da espécie) - estamos diante de uma perversão, ou seja, uma prática sexual contra a natureza.
Sendo a homossexualidade um fenómeno considerado desinquadrado das normas sociais, o indivíduo homossexual passa a ser visto como sendo "anormal" e, consequentemente, inadaptado em determinados meios sociais. Se na verdade a inadaptacao social é resultado da incompatibilidade entre valores individuais aos valores grupais ou socias, ainda que esta (a inadatpação) varie com o tempo e o espaço, pode ser coerente afirmar que os homossexuais são inadaptados à determinados contextos sociais, particularmente no contexto moçambicano, na medida em que o comportamento homossexual, para o nosso contexto, é classificado como sendo “anormal” aos olhos da sociedade, visto que entra em choque com a rede de valores, as normas, a cultura, etc. vigentes no nosso país. No entanto, Freud citado por Ceccarelli (2008), refere que o ser humano possui uma sexualidade e essa sexualidade, devido à singularidade da história de vida de cada individuo terá um destino particular, o que quer dizer que não há uma única maneira que se proponha certa, única e universal para manifestar a sexualidade. Ainda segundo este autor, a homossexualidade é uma expressão da sexualidade, uma posição libidinal igualmente legítima como o é a heterossexualidade, de modo que subordinar a sexualidade apenas à função reprodutora pode ser um critério demasiadamente limitado pois o ser humano, na sua essência, é regido pela dimensão do prazer que, submetido às leis da linguagem, frustra qualquer apreensão directa de sua suposta finalidade original. Contudo, na perspectiva freudiana, não é correcto assumir a homossexualidade como sendo anormal, porém tendo em conta o facto de as normas constituirem uma construção social pode-se afirmar que a adaptação ou inadaptação da homossexualidade dependerá, efectivamente, da sociedade, do tempo e do espaço em questão.

8. Considerações finais
Embora o mundo natural seja o mesmo para qualquer sociedade, cada uma percebe e decompõe para em seguida dar-lhe sentido e significado, dentro das associações sintagmáticas que essa sociedade criou para “ler o mundo”. A forma interpretativa que surge daí é típica do sistema simbólico da sociedade em questão e está sujeito ao universo imaginário dessa mesma sociedade. Nesta óptica, pode-se dizer que não existe um paradigma único e universal para interpretar um fenómeno, seja ele social ou psicológico, na medida em que a normalidade e a anormalidade são construções sociais e relativas.
Vivemos a nossa sexualidade dentro do imaginário da sociedade onde estamos inseridos, desconhecemos que somos guiados por convenções culturais e acreditamos na existência natural de apenas sujeitos heterossexuais. Por isso, aceitar que o outro é homossexual ou bissexual abala a nossa verdade e mostra que a verdade é relativa, isto é, varia com o tempo e espaço, o que desvela a ilusão da existência de uma identidade última e absoluta da sexualidade e revela que nossos referenciais culturais são construções com um tempo de vida e espaço limitados. Os valores sócio-culturais que constroem as referências simbólicas do masculino e do feminino e ditam os parâmetros que definem a sexualidade humana como normal ou anormal, contribuem para que o sujeito homossexual, marcado pelos ideais da sociedade onde está inserido, se sinta desviante e excluído do seu meio social, pois os homossexuais nascem numa sociedade cuja organização simbólica cedo lhes ensina que a sua forma de viver a sexualidade é errada. Contudo, ao longo da elaboraçao deste trabalho, concluí que a homossexualidade sempre existiu e ela é um fenómeno natural, tanto é que também é praticada pelos animais irracionais, por isso, ser homossexual não é pecado, não é crime e não é doença. Entretanto, em todas as sociedades, directa ou indirectamente pratíca-se homossexualidade. Portanto, considerar a homossexualidade como sendo perversão pode ser uma visão reducionista e preconceituosa, pois o homem ao buscar o prazer, a sexualidade escapa à ordem da natureza e age à serviço próprio pervertendo o seu suposto objectivo natural: a procriação. Por isso, ser homossexual é “normal” pois faz parte da natureza e é uma forma legítimade de expressar a sexualidade tal como é a heterossexualidade.

9. Referências Bibliográficas
9.1. Associação Moçambicana para a Defesa das Minorias Sexuais - LAMBDA.
9.2. Ceccarelli, P. R. (2000). Homossexualidade e Preconceito. São Paulo: in SOMOS, 1, ano 1,. (Disponivel em: http://ceccarelli.psc.br/artigos/portugues/html/campuls.htm).
9.3. Ceccarelli, P. R. (2008).  A Invenção da Homossexualidade. Natal: in BAGOAS - estudos gays, gêneros e sexualidades, 2, 71-93. (Disponivel em: http://ceccarelli.psc.br/artigos/portugues/html/invhomo.htm)­.
9.4. Coelho, L. (2008). A Homossexualidade: Trabalho apresentado num encontro da ORDEM DE PASTORES BAPTISTAS, no Tabernáculo Baptista. Porto.
9.5. Demétrio, J. (2004). Homossexualidade. Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

9.6. Fleury, A. R. D. & Torres, A. R. R. (2007).  Análise psicossocial do preconceito contra homossexuais: Estudos de Psicologia. Campinas, 24(4),  475-486.

9.7. Liga Moçambicana dos Direitos Humanos-LDH (2006). Homossexualidade em Mocambique. Maputo: LUSA

9.8. Manual do Multiplicador (1996). Homossexual. Brasília: Ministério da Saúde. Versão electrónica.

9.9. Manual Merck (1899). Información Médica para el Hogar. Barcelona: Oceano.


Manifestações Populares de 01 e 02/09/10 - Cidade de Maputo e Matola

1. INTRODUÇÃO
Os movimentos sociais são um dos indicadores mais expressivos para a análise do funcionamento de uma sociedade, na medida em que traduzem uma permanente dinâmica das forças sociais, permitindo identificar as tensões entre os diferentes grupos de interesse e expondo as veias abertas dos complexos mecanismos de desenvolvimento das sociedades. Em virtude disso, em cada momento histórico, são os movimentos sociais que revelam as áreas de carência estrutural, os focos de insatisfação, os desejos colectivos, permitindo a realização de uma verdadeira topografia das relações de diálogo entre a sociedade e o Governo.
No âmbito de exame de frequência da cadeira de Psicologia Comunitária, surge o presente trabalho que se subordina ao tema "Manifestações Populares de 01 e 02 de Setembro na cidade de Maputo e Matola". Para a sua elaboração recorreu-se à material bibliográfico, porém deu-se particular ênfase a análise reflexiva baseiada em factos reais decorrentes do nosso contexto social. A motivação na escolha deste tema foi norteada pela natureza impressionante do fenómeno social em questão, o impacto que ele causou à sociedade e o interesse acadêmico em discuti-lo, visto que constitui uma oportunidade ímpar de fazer análise psico-sociológica e o respectivo enquadramento teórico das teorias dos principais fundadores das ciências sociais. Sob o ponto de vista da sociedade moçambicana, o tema é pertinente porque tráta-se de um fenómeno que representa a forma como as massas expressam, através de manifestações populares, insatisfações político-ideológicas e económico-administrativas junto do Governo. Deste modo, tratar deste tema, entanto que estudante, para além de proporcionar uma aprendizagem efectiva na dimensão analítica e de intervenção social, ajudará a compreender a essência das manifestações populares, suas implicações político-ideológicas e permitirá prescrutar evidências de existência de uma possível relação entre este fenómeno social e a instabilidade político ou económica de um determinado Estado. De uma forma geral, o objectivo de debater este tema é de analisar a origem do comportamento colectivo dos populares que culminou com as manifestações populares de 01 e 02 de Setembro, esperando-se, com isso, que se adquiram subsídios suficientes que possam ajudar na análise e interpretação do fenómeno social em questão. Contudo, para além da introdução, o trabalho está estruturado nos seguinte termos: Karl Marx (Materialismo Histórico) e as Manifestações Populares; Emile Durkheim (Controlo Social) e as Manifestações Populares; Gustavo Le Bon (Sugestão vs Contágio) e as Manifestações Populares; implicações político-ideológicas e sociais das manifestações; contextualização histórica das manifestações populares; análise pessoal sobre as manifestações e a conclusão que culminará com as consideraçõs finais sobre o tema.


 2. NA PERSPECTIVA DE ALGUNS AUTORES

2.1. Karl Marx (Materialismo Histórico) e as Manifestações Populares
Na visão de Marx citado por Lumier (2008), a explicação de um fenómeno social, precede a sua efectiva compreensão. De igual modo, segundo este autor, para fazer análise de uma sociedade é necessário conhecer previamente o processo de produção dos seus alimentos e é necessário conhecer a sua história. O autor refere ainda que os conflitos são uma característica basilar de uma sociedade. Sob este enfoque teórico, pode-se afirmar com significativa segurança que, as mudanças no modo de organizar a produção ao longo da história de uma determinada comunidade, provocam também profundas transformações sociais. Deste modo, o crescimento das manifestações populares em Moçambique sinaliza uma transformação social, dai que elas crescem continuamente e as desordens sociais aumentam em tais situações visto que constituem um fenómeno típico das sociedades modernas industriais. Neste diapazão, para uma análise exaustiva das manifestações populares recentemente ocorridas na cidade de Maputo e Matola nos dias 01 e 02 de Setembro, talvez seja necessário, como refere Karl Marx, um conhecimento prévio da história de Moçambique e da forma como esta sociedade produz os seus alimentos. Em linhas gerais, vejamos:
Moçambique tornou-se independente de Portugal em 1975. A partir daí a força política dirigente do Estado, o partido Frelimo, introduziu políticas econômicas de carris comunista, que levaram o país, de certa forma, ao declínio social e econômico. A estas dificuldades, acresceu-se a guerra civil; foi um período difícil, que durou 16anos, até 1992 com o fim da Guerra Civil. Durante a década 80, dada a insustentabilidade das políticas intervencionistas, baseadas em subsídios, a solução foi de aderir as instituições de Bretton Woods para beneficiar dos seus créditos e pouco a pouco ir abandonando as políticas socialistas. Foi assim que, em 1984, Moçambique, um país socialista, aderiu ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Em 1990, após a queda do murro de Berlim, aprovou-se uma Constituição da República de carris democrático (Constituição de 1990) e em 1992 foi assinado o Acordo Geral de Paz, entre os dois grandes partidos políticos (Frelimo e Renamo) que terminou com a guerra civil e abriu caminho para as sucessivas eleições democráticas realizadas nos últimos 18anos. O ponto é que: ao longo da história o Estado moçambicano baseiou as suas acções em políticas intervencionistas, primeiro seguindo políticas marxistas (1975-1990), depois nas teorias queynesianas de Estado dinamizador da economia (1991- até ao presente momento).
Fazendo-se um olhar atento e uma breve reflexão para o percurso histórico de Moçambique, pode-se inferir que, durante um longo período de tempo que durou quase a idade da Guerra Civil, o povo moçambicano ficou "habituado" a receber apenas tudo do "outro" sem, no entanto, fazer esforço para produzir, ainda que, se calhar, as condições não permitissem. Esta situação tenebrosa, deve ter colocado o povo moçambicano no "comodismo", vivendo a "Deus dará". Porém, com a conjuntura mundial actual, para um povo que está "habituado" a receber pão do outro, sente-se desafiado e pressionado pelas contingências sócio-económicas acturais e, diante disso, uma das soluções é pressionar o Governo por via de manifestações populares. Contudo, esta é uma perspectiva de análise não significando, no entanto, que seja a única forma de se interpretar aquele fenómeno social.

2.2. Emile Durkheim (Controlo Social-Ordem Social) e as Manifestações Populares
Sgundo Durkhein citado por Lumier (2008), o controlo social só é possivel quando há participação da comuidade na definição das regras e só essas regras é que são aceitáveis – princípio de participação da comunidade no processo de tomada de decisões. Para Durkhein, quando a comunidade participa no estabelecimento das regras, elas assumem as consequências e, havendo discordias no estabelecimento das normas sociais, procura-se construir consensos entre a sociedade e o Governo. Seguindo esta perspectiva de análise, pode-se inferir que uma das razões que levou a sociedade a se manifestar foi, efectivamnte, a falta de comunicação, falta de dialogo entre o Governo e a sociedade, o que significa dizer que não houve comunhão de ideais entre estes dois órgãos. Ou seja, a sociedade não participu ou não participa no processo de tomada de decisões, tendo sido tomadas unilateralmente. A participação da sociedade no processo de tomada de decisão, permite a comunhão de ideais passando, as consciências individuais a consciências colectivas, organizando-se de modo duradouro e fixando-se também nas instituições sociais (família, igrejas, sistema educacional, etc.) e noutros sistemas de base social. Serão esses ideais colectivos (valores, princípios, juízos, prescrições, etc.) que, se forem consensuais e efectivamente respeitados, garantirão uma normatização adequada à vida social.

2.3. Gustavo Le Bon (Sugestão vs Contágio) e as Manifestações Populares
Le Bon citado por Garcia (2001), refere que quando um indivíduo se junta à um grupo, passa a agir por sugestão e adquire um poder invencível. Ele percebe que é capaz de realizar aquilo que achava impossível realizar individualmente. Para Le Bon, num grupo todos os sentimentos e todos os actos são processos contagiantes, de tal modo que o indivíduo sacrifica os interesses pessoais pelos interesses do grupo. Deste modo, a sugestão e o contágio fazem com que o indivíduo aja de forma inconsciente, pois a barreira existente entre o consciente e o inconsciente fragiliza-se. Nas manifestações do dia 01 e 02 de Setembro, estes fenómenos fizeram-se sentir, o que permitiu com que as pessoas se organizassem informalmente e agissem livremente e que os indivíduos fizeram coisas que não seriam capazes de fazer isoladamente. Esta, na minha óptica, foi uma das principais origens do comportamento colectivo manifesto pela sociedade da cidade de Maputo e Matola no dia 01 e 02 de Setembro.
Conforme Le Bon, todas as manifestações da vida psíquica podem ser contagiosas, mas são especialmente as emoções que se propagam desse modo. As  idéias contagiosas são sínteses de elementos afectivos. O contágio constitui um fenômeno psicológico cujo resultado é a aceitação involuntária e incondicional de certas opiniões e crenças. Sendo inconsciente a sua origem, ele se opera sem que nisso intervenha o raciocínio ou a reflexão, isto é observado em todos os homem, principalmente quando se encontram em multidão.
Le Bon salienta que o contágio e a sugestão não se exercem somente pelo contacto directo dos indivíduos, porém podem ser produzidos através de livros, jornais, notícias telegráficas, mensagem telefónicas ou mesmo simples rumores. Nesta perspectiva, pode-se constatar que nas manifestações ora em causa, as mensagens telefónicas e os rumores constituiram os principais meios através dos quais ocorreu o contágio e a sugestão. Le Bon reitera que as opiniões propagadas por contágio só se destroem por meio de opiniões contrárias propagadas do mesmo modo. Quando essa regra de ordem psicológica é devidamente aplicada permite, graças aos meios de que se dispõe, se combater o contágio pelo contágio.

2.4. Implicações Político-ideológicas
Face às manifestações ocorridas nos dias 01 e 02 de Setembro do ano em curso, podem se referir inúmeras implicações político-ideológicas e sócio-económicas. Deste modo, de entre as várias implicações, uma das maiores foi a adopção de novas políticas da parte do governo que culminaram com:
  • a baixa de preços de serviços e produtos alimentares de primeira necessidade, tais como: pão, arroz, água, energia eléctrica, combustível e outros, acompanhado pelo respectivo subsidiamento das panificadoras;
  • o congelamento dos salários dos Presidentes do Conselho de Administração (PCA’s) das maiores empresas estatais e privadas subsidiadas pelo Estado;
  • a redução de subsídios de viagem e regalias dos agentes do Estado; e, sob o ponto de vista sócio-económico, verificaram-se perdas de vidas humanas, bens públicos e privados vandalizados, horas de trabalho perdidas, negócios de vulto não realizados, perda de confiança com os investidores estrangeiros, etc..

3. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
As manifestações populares referidas nesta "dissertação" acadêmica ocorreram em Moçambique, concretamente nas cidades de Maputo e Matola. Primeiro foi no dia 05 de Fevereiro de 2008, em seguida foi nos dias 01 e 02 de Setembro do ano em curso. Todavia, neste singelo trabalho, de forma particular, abordar-se-á sobre as manifestações populares de 01 e 02 de Setembro por terem ocorrido mais recentemente, o que permitirá uma análise mais ou manos exaustiva. Essas manifestações, de acordo com alguns órgãos de comunicação, foram causadas pelas medidas governamentais referentes à subida de preços de serviços e produtos alimentares básicos, tais como o pão, a energia eléctrica, a água, combustível e outros, sem que tais medidas fossem acompanhados do proporcional aumento dos seus rendimentos, alguns deles, por via de salários. Caracterizavam-se por protestos e desordem social. No seu rescaldo geral, a cidade foi paralisada; os principais pontos de acesso a cidade foram bloqueados com barricadas e pneus incendiados; alguns transportes pessoais e públicos foram vandalizados; lojas foram saqueadas; a polícia ripostou com gás lacrimogéneo e nalguns casos com balas verdadeiras de arma de fogo. Em consequência de tudo isso, de acordo com o Jornal Notícias na sua edição dos dias 03 e 04 de Setembro, houve 08 mortos, 238 feridos e mais de uma centena de detidos. Contudo, pelo carácter informal do fenómeno social aqui em causa, talvez não seja adequado designá-lo "manifestações populares", visto que este atributo, pressupõe uma ocorrência legal do fenómeno. Não sendo o caso para este fenómeno, alguns analistas chamaram de "convulções sociais", outros de "distúrbios sociais" e ainda outros chamaram de "desordem social". No entanto, começando por respeitar todas essas designações e não me opondo completamente a elas, eu designei manifestações populares, simplesmente porque acho melhor e mais adequado assim designar. Ora, tendo em consideração o fenómeno no seu todo, importa fazer uma análise reflexiva sobre a sua origem e o por quê do comportamento colectivo manifesto pelos populares.

3.1. Análise Pessoal Sobre as Manifestações Populares de 01 e 02/09/10
Na minha óptica, as manifestações populares dos dias 01 e 02 de Setembro na cidade de Maputo e Matola foi uma demonstração clara de que os cidadãos não têm espaço de interlocução com o Governo, com as forças políticas, com as organizações da sociedade civil (organizações sindicais, etc.), entre outras entidades, para debater questões tão importantes para a sua vida diária como o aumento insuportável do custo de vida, causado por aumentos galopantes dos preços dos serviços e dos bens básicos de consumo como pão, água, energia, arroz e outros produtos indispensáveis ao seu dia-a-dia.
Com efeito, as manifestações também podem ter sido causadas por expectativas, da parte da sociedade, de melhoria das condições de vida a partir das declarações de intenções, como sejam "futuro melhor", "combate ao espírito do deixa andar", "combate à pobreza absoluta rural e urbana" que foram criadas  nos cidadãos com o passar do tempo, sem que na prática produzam resultados palpáveis, tornando-se assim meros slogans repetidos muitas vezes nos mais diversos níveis de governação, resultando em frustação que criou na população um sentimento de desespero e revolta.
De facto, a medida que as diferenças sociais baseadas, sobretudo, na renda e poder de compra, vão emergindo e ganhando visibilidade, a sociedade vai clamando por mais espaço, mais voz e maior representatividade. Deste modo, estas manifestacoes demonstraram, também, de forma clara que para o Governo, a voz do povo não conta ou tem sido utilizada e manipulada de uma forma demagógica, ou simplesmente ignorada. Diante disso, também pode-se referir a falta de respostas efectivas aos inúmeros problemas enfrentados e denunciados pelos cidadãos que teve como consequências manifestações populares violentas. No entanto, é importante salientar que Moçambique (cidade de Maputo e Matola) corre o risco de testemunhar novamente manifestações populares, com consequências nefastas já conhecidas como a perda de vidas humanas, bens públicos e privados vandalizados, horas de trabalho perdidas, negócios de vulto não realizados, perda de confiança dos investidores estrangeiros, para além do mal estar social que o fenómeno em si gera, se as ideologias políticas do governo não mudarem no sentido de “o vento soprar à favor do povo”.


4. CONCLUSÃO
Ainda que tão forte e resistente, em determinado momento, uma corda já não pode se esticar mais e rebenta. Por via disso, um custo de vida tão crescente e desafiador não é algo que uma população grosseiramente empobrecida, como o povo moçambicano, poderia aguentar por muito tempo.
Depois da elaboração deste trabalho concluí, ainda que de forma não absoluta, que as expectativas de melhoria das condições de vida a partir das declarações de intenções que foram criadas  nos cidadãos com o passar do tempo, sem que na prática produzam resultados palpáveis, tornando-se assim em meros slogans repetidos muitas vezes nos mais diversos níveis de governação, resultando em frustação que cria na população um sentimento de desespero e revolta, é que, provavelmente, causaram as manifestações populares de 01 e 02 de Setembro como forma de retaliação contra as promessas básicas não cumpridas pelo Governo. Pensando nesta perspectiva, pode ser errado considerar aquelas manifestações populares como sendo um evento pois, na minha óptica, elas foram um processo que foi sendo construído ao longo do tempo, com uma sucessão de eventos políticos e de decisões governamentais que apesar de serem necessárias, revelaram falta de diálogo intolerável numa sociedade democrática. Daí que se pode afirmar que uma sociedade sã é, efectivamente, aquela em que há um diálogo permanente e aberto entre os governantes e todos os elementos da sociedade e não onde os governantes vivem na sua deturpada crença de que sabem tudo o que é bom para o resto da sociedade. Portanto, pode-se induzir um povo a seguir uma causa, mas não, necessariamente, a compreendê-la.


4.1. Recomendações
  • Melhoria dos mecanismos de diálogo entre o Gonerno e a sociedade, incluindo o uso de interlocutores válidos, no caso das organizações da sociedade civil, como a Liga dos Direitos Humanos e outras, visto que as organizações sindicais encontram-se, de certa forma, descredibilizadas;
·         O desenho do plano de acção para a redução de pobreza no período 2010-2014, materializando o Plano Quinquenal do Governo, deve resultar de um processo de diálogo e debate com a sociedade, organizações da sociedade civil, acadêmicos, partidos políticos ou outros grupos socialmente organizados sobre políticas públicas que possam responder de forma efectiva aos principais problemas enfrentados pela sociedade, tanto das zonas urbanas como das zonas rurais;
  • Considerar todos os cidadãos como principais actores do processo de desenvolvimento, apesar dos níveis prevalecentes de pobreza e desigualdades sociais;
  • O Plano Quinquenal do Governo deve responder aos interesses, não só da maioria eleitoral, mas também de todo o povo moçambicano incluindo as minorias pois, na verdade, o Governo é e deve ser de todos e não do partido vencedor ou só daqueles que nele votaram;
·         Redução da carga fiscal sobre as empresas, assim elas poderão aumentar a produção e criar mais e novos empregos.


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
5.1. Garcia, N. J. (2001). Gustavo Le Bon: As Opiniões e as Crenças. Edição eletrônica: Ridendo Castigat Mores (http://www.jahr.org/).

5.2. Lumier, J. J. (2008). Psicologia e Sociologia: O Sociólogo como Profissional das Ciências Humanas, (Disponivel em: http://www.leiturasjlumierautor.pro.br).