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sexta-feira, 10 de junho de 2011

PSICOLOGIA: PERSPECTIVA EUROCÊNTRICA E AFROCÊNTRICA

1. Introdução

Há anos que os fenómenos existenciais da humanidade, incluindo os fenomenos psicológicos, em África são interpretados com base na psicologia ocidental, com métodos, técnicas e intrumentos cientificamante estabelecidos no ocidente. Não obstante, esta psicologia, durante muito tempo, tem-se mostrado, em algumas situações, ineficaz em resolver satisfactoriamente os problemas psicológicos africanos devido, não só às diferenças culturais e entre o ocidente e a áfrica, como também devido às leis humanas que regem o povo africano, que para eles o ser humano, na sua essência, vai além do biológico, do psicológico e do social, atingindo, deste modo o intangível e as suas respectivas relações com o universo. Deste modo, o pensamento ocidental sempre procurou manipular a identidade africana, colocando sempre o africano como um ser não pensante, alegando que o africano era primitivo, supersticioso, não civilizado, sem história e sem cultura. Este artigo tem como objectivo analisar e descrever as diferenças culturais entre os acidentais e os africanos, enfatizando a necessidade de contextualizar à realidade africana, a psicologia ocidental no diz respeito aos seus instrumentos e técnicas. Para a sua elaboração recorreu-se à revisão bibliográfica a partir de livros e artigos científicos que constituem estudos recentes sobre o assunto.




2. Psicologia contemporânea

A Psicologia contemporânea teve suas origens no ocidente e é vista como universal, na medida em que ela tem sido aplicada para sustentar e explicar todos os fenómenos psicológicos (Shweder e Bourne, 1991:114) citado por Holdstock (2000). Segundo Howitt e Owusu-Bempah, (1994) citado por Holdstock (2000), apesar dos apelos para o desenvolvimento da psicologia, a atenção dedicada à psicologia africana tem sido mínima. Com efeito, a psicologia ocidental atribui pouco valor às experiências do povo africano. O mais lamentável é o facto de que a história da psicologia universalista ou eurocêntrica, não é feliz para os africanos que tradicionalmente actua mais como um instrumento de dominação.

Tal como a Psicologia ocidental, a perspectiva africana deve abordar sobre a aquisição da linguagem, da cultura, saúde mental, o comportamento humano, o conhecimento, a atitude de se relacionar com o outro. A centralidade da comunidade, o respeito pela tradiçaõ, alto nível de espiritualidade e envolvimento ético, harmonia com a natureza, natureza social da identidade individual, a veneração dos ancestrais e a unidade do ser, são valores que devem ser considerados integrados nas anamneses psicológicas, nos psicodiagnósticos e na avaliação e intervenção psicológicas (Barros, 2011).

A sociedade africana e a sua cultura, no processo de escravidão, caracterizado pela privação da liberdade e pelo encerramento da mente africana, foi-lhes introduzidos conceitos, ideias, valores, pensamentos e teorias ocidentais como sendo universais capazes de interpretar, intervir e solucionar todos os problemas da humanidade, definindo os africanos em posição intelectual e étnico baixos. Mas é importante se enfatizar que os africanos têm a sua lógica de pensar, sua própria língua e sua própria cultura que devem ser tidas em conta ao interpretar e intervir nos fenómenos psicológicos africanos (Barros, 2011).


3. Interpretação dos fenómenos psicológicos
Os indivíduos possuem dentro de si, vastos recursos para auto-concepção, auto-entendimento, auto-compreensão e para a modificação dos seus auto-conceitos, suas atitudes e dos seus comportamentos. Desde décadas passadas, autores como Asante e Kemet, já falavam da afrocentricidade no sentido de que os africanos precisavam adoptar uma postura de auto-consciência e auto-definição, procurando encontrar dentro de si a sua própria cultura africana e a explicação para todos os fenómenos da humanidade, precisamente os fenómenos psicológicos (Mazama, 2009 citado por Barros, 2011).

No apontamento de Nobles (2009) citado por Barros (2011), refere que quando se explana a respeito da psiquê africana, logo tende-se a procurar explicações nas abordagens psicológicas ocidentais, o que leva a se cometer erros de interpretações a respeito da cosmovisão africana, ou seja, a forma como os africanos vêm o mundo. Neste sentido, a perspectiva africana não vem no sentido de descartar ou negar completamente a perspectiva ocidental, mas sim está contra o princípio negativo causado pela supremacia ocidental nas suas relações de poder e violência, dentre elas a escravidão imposta por eles à milhares de africanos durante centenas de anos, que muitas vezes levou à alienação, aprisionamento psicológico e mortes de milhões de africanos.

Para se entender melhor a dinâmica de funcionamento e os elementos constituintes da mente africana, precisa-se ter em conta, primeiramente, a compreensão da visão que os africanos têm do mundo e os seus significados e soignificantes, pois é o elemento base do entendimento da concepção do que é ser, humano ou pessoa, na perspectiva africana (Nobles, 2009 citado por Barros, 2011). Neste caso, é importante que a África e os fenómenos africanos sejam examinados e apreendidos no contexto africano, ou seja, com significados, ideias e aplicações africanas. Agir de outra forma, que não se adequa ao contexto africano, significa dar primazia às abordagens ocidentais, restringindo a forma de interpretar e intervir nos fenómnos africanos e anular o conhecimento do povo africano. Contudo, é inevitável o uso da psicologia ocidental, na medida em que ela fornece métodos e técnicas cientificamente consagrados para a interpretação e intervenção dos fenómenos psicológicos, independemente da sau origem, sendo apenas importante a sua contextualização.


4. Identidade
Os conhecimentos originários das culturas africanas para a concepção da existência humana ajudam na construção e entendimento da identidade africana, pois além de buscar uma compreensão holística do ser humano, a Psicologia deve dialogar com outros campos do saber, considerando a cultura de cada sociedade (Barros, 2011).
Quando se procura uma abordagem africana para estudar a mente africana, na visão de Barros (2011), deve-se sobretudo, buscar conhecimentos, valores e ideais centrados na cosmovisão africana. Todos os rituais, danças, cânticos, mitos, rezas, fazem parte da identidade africana, pois perpassa pelo processo de auto-realização de cada pessoa e, nessa busca interior, espera-se que cada sujeito possa entender, interrogar e explicar o significado, a natureza e o funcionamento do ser humano, a partir de caminho para a busca da identidade, autenticidade e africanidade.

Ao buscar o sentido da vida, as sociedades africanas realizam rituais que exigem disposições e atitudes das pessoas de fé, que fazem com que elas assumam nas suas vidas aquilo que elas acreditam. Nesses rituais as comunidades executam danças, proferindo cânticos, a partir dos quais o indivíduo entra em contacto com os seus ancestrais e coloca-se fim de todos os males que apoquentam o indivíduo (Honwana, 2002). Comparativamente à cultura ocidental, essa forma típica dos africanos de entrarem em contacto com os antepassados para obter um bem-estar físico, mental, social e espiritual, sob mediação de um curandeiro, corresponde à uma psicoterapia. Deste modo, seria importante conciliar a picoterapia ocidental com as práticas terapêuticas africanas, sem, no entanto, dar primazia à nenhuma delas.

Olhando para o contexto africano actual, fica evidente que o povo africano actual é diferente do povo africano do passado. Durante o processo de colonização, o povo africano sofreu uma “lavagem cerebral”, isto é, foi obrigado a adptar conceitos, valores, crenças, costumes e hábitos culturais ocidentais, que a partir do qual perdeu a sua real identidade cultural, social, política e económica. Ao ser impostos a adptar as práticas culturais ocidentais, o povo africano perdeu a capacidade de se colocar em pé de igualdade e competir com os outros. Com o advento da globalização, que resultou na fusão de culturas, conhecimentos, economia, política, arte, através dos mídia, o povo africano (nós), tendem a perder cada vez mais a sua identidade, passando maioritariamente a se identificar como o outro. Apesar de a globalização ter seus aspectos positivos, como expansão do conhecimento científico, desenvolvimento económico, troca de experiência e intercâmbio cultural, ela põe em causa as manifestações culturais de alguns países da periferia, particularmente os países africanos.    


5. Conceito de pessoa
Por um lado, Ribeiro (1996) citado por Barros (2011), refere que nas sociedades africanas a pessoa é tida como resultante da articulação de elementos estritamente individuais herdados e simbólicos. Os elementos herdados situam a pessoa na linhagem familiar enquanto que os simbólicos a posicionam no ambiente cósmico e social. Para Opoku citado por Nobles (2009) in Barros (2011), a pessoa é vista como um ser constituido por espírito e corpo. Por outro lado, na perspectiva ocidental, a pessoa é vista como um organismo humano completo e em pleno funcionamento, um indivíduo que é capaz de interagir consigo próprio, com o seu meio e com os outros, isto é, a pessoa é vista apenas sob ponto de vista biológico, psicológico e social..
Pode-se observar que a perspectiva africana aborda tanto os aspectos subjectivos da pessoa, quanto os aspectos materiais (físicos) e imateriais (psíquicos), ou seja, esta perspectiva vai para além do físico, na medida em que pessoa é aquela que é capaz de se relacionar não só consigo próprio, com o seu meio e com os outros, mas também com a natureza, com as plantas, com os animais, com os espíritos, com os deuses e com o universo.

Nas culturas africanas, a pessoa está em contacto com os poderes espirituais e é através da prática dessa espiritualidade, que os africanos acessam as suas divindades (conjunto de mitos, ritos e simbolismos), o Deus supremo (dono do ceu) e ao sagrado, e encontram nas suas práticas de espiritualidade e rituais uma linguamgem que vai além da consciência e da psíque humana, eles entram em contacto com a energia organísmica do próprio indivíduo protegendo-o dos seus efeitos auto-destruitivos. Essas práticas estabelecem nos indivíduos ou nas comunidades um sentido para a vida, isto é, um resgate a esse ser humano ecológico e ético (Barros, 2011). Esta visão que o africano tem em relação a pessoa que transcende a dimensão biológica, psicológica e social, parece-nos mais completa e complexa que requer uma atenção especial da parte dos ocidentais e da psicologia contemporânea..


6. Concepção da religião e da divindade
Não sendo necessariamente no sentido de participação de igreja ou aderência a um dogma religioso, os africanos são religiosos no sentido de honrar o que representa uma preocupação da humanidade. Para os africanos o pensamento sobre Deus é expresso através de nomes, tendo em consideração categorias gerais como a natureza de Deus, a relação com Deus, as imagens de Deus e o que Deus faz. Esta visão que os africanos têm sobre Deus é diferente da forma como os europeus usam as suas habilidades científicas para dominar todos os problemas, a natureza e o universo. Contudo, falta à ciência ocidental a capacidade para compreender a realidade africana pois ela restringe-se no observável e no racional (Mbiti citado por Holdstock, 2000). 
 
Parrinder (1969) citado por Holdstock (2000), referindo-se à psicologia africana, defende que o Homem não é só um indivíduo ou somente um ser social, mas ele é uma força vital que continua em contacto com outras forças do universo. Neste sentido, ele as influencia e também é influenciado constantemente por elas e, deste modo, essa força vital está dentro de todos os homens e criaturas formando um laço entre eles.


7. Conclusão
Os europeus desenvolveram uma consciência de superioridade e a ideia de que persuade o mundo pela sua cultura. A construção desta identidade que se afirma superior a todas as outras culturas, resultou da distorção da sua própria história. Esta distorção tem implicações psico-sociológicas, tornando-se produtora de um racismo endémico, ao manter-se confortavelmente apoiada na crença de que a herança helénica predispôs a Europa e o mundo ocidental para avançar pelo racionalismo, enquanto que o mundo africano se mantiveram ligados à metafísica arcáica.
Mas entre as duas perspectivas da psicologia (ocidental e africana), está evidente que a psicologia ocidental com seus métodos, técnicas e instrumentos é incapaz de interpretar, avaliar e intervir eficazmente nos fenómenos psicológicos africanos, visto que a realidade africana é  completamente diferente e distante do contexto ocidental. O homem africano é essencialmente colectivista, espiritual e religioso, não sendo necessariamente no acto de frequentar uma igreja ou um dogma religioso, eles o são no sentido de honrar o que representa uma preocupação da humanidade.
Esse pensamento não ignora a tamanha importância da psicologia ocidental, mas sim não tomá-la como a única perspectiva possível de interpretar de forma válida os fenómenos psicológicos, muito em particular quando se trata de fenómenos psicológicos africanos. Sugere-se que se tenha em conta a cutura do indivíduo em qualquer processo de avaliação e intervenção psicológica, pois, é com base nas crenças e na tradição que este interpreta o mundo. Assim sendo, todas práticas de psicologia ocidental quando usadas em culturas africanas devem ser contextualizadas no sentido de adequá-las à realidade do povo africano.



8. Referências Bibliográficas

Barros, S. da L. (2011). O olhar de uma abordagem afrocêntrica: foco no funcionamento da psiquê africana. Revista África e Africanidades - n. 13, ISSN 1983-2354. Disponível em: www.africaeafricanidades.com, acessado aos 02.06.2011, 13hrs31min

Holdstock, T. L. (2000). Re-examining Psychology - Critical perspectives and African insights. Canada: Routledge.

Honwana, A. (2002). Espíritos Vivos, Tradições Modernas: possessão de Espíritos e Reintegração social Pós-guerra no sul de Moçambique. Edições Promédia.




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